Ele explica que a Constituição trata do tema sem controvérsia e frisa: o decreto que aumentou as alíquotas do imposto não é passível de ser sustado pelo Legislativo, conforme estabelecido pelo parágrafo 1 do artigo 153
Lisboa — O procurador do Distrito Federal Guilherme Dolabella, doutor em direito financeiro pela USP e também advogado, está em Portugal acompanhando os debates do Fórum de Lisboa justamente num momento em que as questões fiscais estão na ordem do dia, com a crise do IOF. Com seus profundos conhecimentos sobre o tema, Dolabella analisou, a pedido do Correio, o debate do ponto de vista técnico. O procurador explica que a Constituição trata do tema sem controvérsia: “O decreto que aumentou alíquotas do IOF é uma competência do Executivo, que não é passível de ser sustada pelo Legislativo, pois está expressa no art. 153, parágrafo 1”.
O ministro Flavio Dino, em palestra, disse que a questão do IOF é juridicamente muito simples. O problema, segundo ele, é politico. Qual é o foco
do debate?
A tese jurídica é a competência do Poder Executivo para alterar a alíquota do IOF, conforme previsão do art. 153, parágrafo 1, da Constituição de 1988. Paralelamente, há a questão relativa à competência do Congresso em sustar atos normativos dos Poder Executivo que exorbitem o poder regulamentar ou delegação concedida pelo Poder Legislativo, conforme art. 49, inc. V da Constituição de 1988. Portanto, a essência do litígio institucional relativo ao IOF está na definição constitucional da competência de cada um dos Poderes. Entendi que a solução caminha para reconhecer que a competência, nesse caso, é do Poder Executivo, dado que a alteração de alíquotas do IOF não se insere nos parâmetros constitucionais de exercício de poder regulamentar, definido no art. 84, inc. IV da Constituição ou a delegação legislativa, prevista no art. 68 da Constituição.
O Congresso tem competência para derrubar um decreto presidencial que trata do aumento das alíquotas do IOF?
Por isso é que o ministro Flávio Dino fez o comentário sobre a desnecessidade de uma declaração do STF sobre o tema, já que a própria Constituição estabelece expressamente os limites e as competências do Executivo e do Legislativo nesse caso. O decreto que aumentou alíquotas do IOF é uma competência do Executivo que não é passível de ser sustada pelo Legislativo, pois está expressa no art. 153, parágrafo 1.
O ex-presidente Michel Temer afirma que o IOF não pode ser usado para aumentar a arrecadação porque o imposto existe para regular as relações fiscais. Como avalia esse ponto?
Em relação à declaração do ex-presidente Michel Temer, é necessário fazer uma análise sob dois aspectos: 1) a natureza tributária do IOF; 2) os impactos econômicos da tributação pelo IOF. Sobre o primeiro aspecto, não existe a separação da essência fiscal do tributo de sua característica extrafiscal. Todo e qualquer tributo tem finalidade arrecadatória, pois provê recursos privados para o Tesouro. A discussão é: sob o ponto de vista extrafiscal, vale a pena aumentar as alíquotas do IOF. Ai, é um exame dos efeitos econômicos do tributo e, sob essas circunstâncias, o IOF onera atividades econômicas diversas e o consumidor final, pois é um custo e se insere no preço. Portanto, entendo que a crítica realizada pelo ex-presidente Michel Temer ressalta esse viés regulatório e extrafiscal do IOF e seus efeitos econômicos. Mas todo e qualquer tributo existe para prover recursos financeiros para o Estado e, adicionalmente, a depender das suas características, influencia os agentes econômicos em direção a determinada ação/conduta desejada pelo governo.
Se o STF mantiver a derrubada do aumento, terá de definir de onde vão sair os recursos para cobrir o deficit fiscal ou isso é papel do Executivo?
Se o STF deliberar pela validade do decreto legislativo sob a ótica da competência do Congresso, a decisão irá se restringir à declaração de constitucionalidade do ato legislativo. Eles não podem adentrar no campo legislativo e definir a origem de recursos que o Poder Executivo objetiva obter. Caso contrário, seria também uma usurpação de competência do Congresso. Aliás, essa é uma das competências legislativas clássicas e historicamente uma conquista liberal, pois significa o consentimento da sociedade em relação a tributação por meio de seus representantes eleitos.
Muitos políticos estão falando em conciliação para resolver essa questão, intermediada pelo STF. Como seria?
A ideia de conciliação seria um caminho idêntico a situações em que o STF exerceu o papel de mediador nos episódios de crise entre os Poderes. Tivemos essa iniciativa de convocação de audiências de conciliação entre representantes da AGU e do Senado e da Câmara dos Deputados no caso das emendas Pix e, também, na definição do marco temporal das terras indígenas. Em relação ao IOF, acredito que o STF buscaria uma distensão entre o Executivo e o Legislativo, por meio da revogação do decreto legislativo relativo ao IOF e a apresentação de novo decreto pelo Executivo ou medida provisória que contemple parâmetros de tributação e obtenção de novos recursos aceitáveis sob o ponto de vista político e econômico.
Fonte: Correio Braziliense